Gol Rapinoe
Futebol, Futebol Feminino

A transformação no Futebol Feminino

O futebol feminino vive a maior transformação de sua história. A passos lentos, é verdade, mas com maior sucesso. O engajamento é maior e os resultados também. A Copa do Mundo na França foi um marco e, melhor que isso, só a conquista dos Estados Unidos. Não a do campo, mas a da arquibancada.


Para começar a falar de pretensões, problemas e tudo mais, é importante passar a limpo os principais acontecimentos do futebol feminino no último ano. Das novas leis no Brasil até a grandiosa Copa do Mundo na França. Assim, os pontos aparecerão naturalmente.

De fato, 2019 foi o começo de uma mudança. Durante o primeiro Brasileirão em que os times foram obrigados a formarem equipes femininas, escrevi uma matéria falando sobre a polêmica. Infelizmente, a maioria dos clubes continuam não se importando com a categoria, apenas criaram as equipes para poderem continuar jogando competições internacionais no futebol masculino. Mas se era possível imaginar uma evolução com a nova lei, era a seguinte: a obrigatoriedade trás mais visibilidade e, com isso, ajuda a denunciar cada vez mais as condições ruins em que as atletas são submetidas.

No mesmo texto, compartilhei uma denúncia de um caso no Botafogo onde as atletas não estavam recebendo ajuda de custo. Tinha jogadora profissional pedindo doações em Madureira (bairro popular do Rio de Janeiro) para ir aos treinos. É uma sequência desanimadora. Elas precisam estudar, trabalhar e trabalhar de novo, dessa vez, treinando e jogando sem receber.

No Sport, a situação foi ainda pior. O time pernambucano também não pagava salários e ainda colocava zagueira no gol. Os resultados em campo foram os piores possíveis. Mas claro, se tratando de clube brasileiro, ainda deu para piorar. Após uma entrevista impactante de Sofia Sena – então jogadora do rubro-negro – para a repórter Gabriela Nolasco, o Sport dispensou a jovem. Depois do caso, a treinadora e o Presidente do Sport disseram que ela estava “manchando a imagem do clube”, como se má gestão não fosse o problema.

Condições precárias no futebol feminino
CT do Sport com grama até a altura da canela. Crédito: Leo Caldas/Folhapress

Situações lamentáveis como essas de fato aconteceram e ainda acontecem, mas ao longo da última temporada, vimos claramente uma evolução. Após os casos de salários atrasados no Botafogo por exemplo, o clube contratou atleta até de time rival e, nesse caso (Gaby Louvain), ela se tornou a primeira jogadora da história do clube a ser convocada para a Seleção Brasileira. Um aprendizado “na marra”.

A maior Copa da história do futebol feminino e o “Equal Pay”

Esses dois casos acima aconteceram, respectivamente, antes e depois da Copa do Mundo Feminina de 2019. E mesmo com um bom exemplo do exterior, os dirigentes da maioria dos clubes brasileiros continuam não se importando com o futuro, mas a Confederação vem lutando para consertar seus erros. Nossa seleção chegou até onde pôde na Copa com uma convocação bizarra do então técnico Vadão, que convocou 8 atacantes e 4 meias. Enquanto isso, outros países cresceram e entraram para a história.

Mesmo sendo na Europa, quem roubou a cena foi os Estados Unidos, as campeãs. Aliás, a França, dona da casa, não deu bons exemplos de início. A Seleção Francesa Feminina, então se preparando para a Copa, foi retirada do CT para o time masculino treinar para as eliminatórias da EuroCopa. Muitas críticas fora feitas e, depois do ocorrido, fizeram uma ótima Copa e não se viu mais nenhum caso assim.

Voltando para as protagonistas, após diversas trocas de farpas com o Presidente Donald Trump, as superstars americanas – que se tornaram – ganharam a queda de braço moral. Como maior personagem, a principal militante e melhor jogadora da competição e do mundo: Megan Rapinoe.

Ela simplesmente se tornou um ícone na luta das atletas. E após ganhar a Copa do Mundo e provocar Trump, ela engajou o país em um de seus maiores objetivos: salários iguais. O Equal Pay (pagamentos iguais) virou música para a torcida americana. Nos EUA, o futebol feminino é maior do que o masculino. Ainda assim, os homens recebem mais do que as mulheres.

Após o tetra mundial, elas foram recebidas em carro aberto pela população e pelo Prefeito de Nova York, que aproveitou para levantar a bandeira. Possível candidato a Presidência para a eleição deste ano, Bill de Blasio disse que se depender dele (se for eleito), os salários serão iguais, até mesmo para que possa continuar existindo negócios em NY.

O mito da falta de audiência

Nada como um discurso repetido várias vezes. Sabemos bem que mesmo sendo mentira, torna-se verdade. Sempre utilizado por pessoas preconceituosas, o grito é uma forma de esconder a verdade. Por muito tempo, o futebol feminino também sofreu e ainda sofre com isso.

Quem nunca ouviu alguém dizendo que o futebol feminino não dá audiência? Mas o jogo do Brasil não foi a 3º maior audiência das Olimpíadas 2016? E na Copa do Mundo Feminina, não foi a maior audiência da televisão brasileira no horário também? Nada disso muda o discurso de quem se sente incomodado com o êxito da categoria, mas não tem para onde correr. A final do Campeonato Paulista Feminino teve mais audiência que competições como Premier League e Bundesliga (todos foram transmitidos no mesmo horário). Além disso, na mesma final, mais de 28 mil torcedores foram ao estádio acompanhar o título do Corinthians.

A discussão deve se pautar por questões sérias, soluções de problemas e viabilização de eventos, fora isso, qualquer discurso fácil e sem embasamento deve ser ignorado para o bem do esporte. O futebol feminino assim como o vôlei, por exemplo, consegue atrair espectadores. Ele tem e terá ainda mais audiência futuramente.

A CBF está evoluindo

A parceria com a Conmebol por obrigatoriamente foi a primeira medida. Mas a melhor aconteceu depois da Copa do Mundo. Com a demissão do técnico Vadão, Pia Sundhage foi escolhida como nova treinadora da Seleção Brasileira. A dirigente Sueca foi bicampeã olímpica com os Estados Unidos e é um dos maiores nomes da categoria.

Essa atitude surpreendeu por dois motivos: o primeiro, foi a ótima escolha e visão da Confederação Brasileira de Futebol. A segunda, foi o que causou mais surpresa: uma treinadora estrangeira. Nem no futebol masculino tivemos um treinador de outra nacionalidade. Nada de xenofobia, pelo contrário. Aliás, é um pedido que ganha força a cada nova demissão na seleção. Desde 2014, Guardiola é clamado por parte da torcida.

Na apresentação oficial da nova professora, Vadão esteve presente. Ele e sua equipe passaram para ela tudo o que foi coletado e planejado durante seu trabalho. A equipe do ex-treinador continuou com Pia na Seleção. Dentro de campo, o time começou bem na nova fase. Até agora, foram 8 jogos, 6 vitórias, 2 empates e nenhuma derrota. Vale destacar ainda, que 4 dessas vitórias foram por goleadas, o que leva a seleção para um número de 24 gols marcados nesses 8 jogos.

Por mais lenta que seja a evolução do futebol feminino, ela está acontecendo. Inclusive, leis como a do Brasileirão ajudam a acelerar esse processo. Mulheres de outras profissões – como Jornalismo e Educação Física – também começam a se envolver mais, e o público só cresce. Além dos bons números no Brasil, outros países também se destacaram, como o México, que na final do campeonato feminino, levou 80 mil torcedores ao estádio contabilizando ida e volta.

Depois de um ano marcante para o futebol feminino, a categoria ganhou mais engajamento e testes estão sendo feitos, como a possibilidade de colocar a Copa do Mundo Feminina de dois em dois anos. De concreto, só sabemos que 2019 foi certamente um marco para o esporte que, com boas guerreiras não vai parar de lutar. Se algumas conquistas foram desbravadas, é sinal que ainda tem muito mais por vir, e agora, com mais força.

Daniel Dutra

Jornalista e fundador da PressFut. Também atua no SBT e na Rádio Tupi.
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