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O jornalista costuma ser o entrevistador, ou simplesmente, aquele que conta histórias. Entretanto, seu papel também pode inverter para que mostre um pouco de como é sua profissão. É exatamente o que fará Breiller Pires, na entrevista de hoje.
Formado em jornalismo, Breiller Pires vai muito além das pautas esportivas. Aliás, prefere não se limitar ao rótulo de jornalista esportivo. Tanto pelo El País quanto por Placar, ESPN, Bololô Mineirês e todos os outros lugares por onde trabalhou, Breiller sempre buscou abordar diferentes aspectos em suas matérias, reportagens e crônicas. O jornalista passeia por políticas, sociedades, culturas e, por fim, pelo esporte. Tudo isso acontece tanto de forma separada, quanto de forma conectada. Foi assim que Breiller Pires ajudou a denunciar abusos sexuais no esporte, esquemas de corrupção, e dessa forma, acabou se tornando um jornalista premiado e reconhecido.
Para quem acompanha a PressFut, talvez esteja um pouco habituado com essa ótica social que o esporte nos propicia abrir os olhos. É por isso que Breiller Pires faz questão de dizer que o jornalismo esportivo não se resume ao campo, aos campeonatos e ao que acontece no jogo. Ele lembra que o resultado é reflexo de decisões emocionais, econômicas e políticas.
Poderíamos fazer aqui uma biografia para apresentá-lo, mas a entrevista para a PressFut apresenta-o suficientemente bem. Fique então com a entrevista na íntegra:
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Hoje você se destaca por dois trabalhos um pouco diferentes. No El País, você traz matérias preferencialmente com cunhos políticos e sociais, o que não exime também, de falar sobre futebol, como faz também na ESPN. O que te seduziu mais para ingressar na faculdade de jornalismo?
Sempre tive vontade de contar boas histórias. E algo determinante para escolher o jornalismo é o fato de meus pais serem gráficos. Desde pequeno eu os acompanhava no trabalho e frequentava gráficas. Meu pai trabalhou num jornal e numa editora. Daí criei apego pelo papel, os materiais impressos e a leitura. Gostava de sentir o cheiro da impressão, uma memória afetiva que ainda carrego daqueles tempos. Acho que isso, de certa forma, contribuiu para que eu me tornasse jornalista. Me preparei e quis virar jornalista para cobrir qualquer assunto, independentemente da editoria. Por isso, eu rejeito um pouco o rótulo de “jornalista esportivo”. Acredito que, a partir do momento em que se faz jornalismo, é preciso estar preparado para abordar vários temas. Sem contar que o jornalismo no esporte não se resume ao campo, aos campeonatos e ao que acontece no jogo. A gente precisa expandir o olhar para entender que o resultado é reflexo de decisões emocionais, econômicas e políticas.
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Entre 2010 e 2015, você trabalhou na revista Placar, uma das mais tradicionais do Brasil. Como citado anteriormente, hoje você trabalha no El País (Internet) e na ESPN (televisão). Quais foram os maiores desafios, e quais foram/são as diferenças de se trabalhar em três tipos diferentes de mídia?
Até por uma questão afetiva, me sinto mais realizado apurando e escrevendo do que comentando. Minha praia sempre foi o jornalismo impresso e escrito. Tive de me adaptar à televisão. Nunca tinha feito nada na TV antes da ESPN, nem mesmo nos tempos de faculdade. É um meio que exige mais dinamismo e concisão, sobretudo na análise do futebol. Mas tem sido uma experiência desafiadora, de muito crescimento pessoal e profissional.
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Em 2013 você foi finalista do prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, um dos mais importantes do país. A matéria participante foi: “A Copa vende sonhos, a juventude paga o preço”, publicada na Revista Placar. Essa matéria faz parte de um dossiê sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes no contexto da Copa do Mundo de 2014. Antes de entrar nesse tema, eu gostaria de saber como foi participar com destaque nesse importante prêmio do jornalismo brasileiro?
Na verdade, essa matéria era um desdobramento do dossiê sobre abuso sexual no futebol que havíamos publicado na Placar, no começo de 2013. Foi uma longa investigação, mais de um ano apurando até conseguir um material sólido, após checagem minuciosa, para publicar. Ter sido finalista do prêmio Tim Lopes foi como uma conquista de título, dada a relevância da obra do jornalista homenageado pela premiação.
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Esse dossiê completo sobre abuso sexual no futebol, resultou em investigações parlamentares nas CPI’s de Tráfico de pessoas e da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Congresso Nacional. De que forma o jornalismo pode contribuir para a sociedade ao expor essas situações?
Desde 2011, investigo a violência sexual contra meninos em times e escolinhas. Sigo produzindo um levantamento com base em denúncias, processos, inquéritos e ocorrências policiais, que já contabiliza mais de 150 casos de abusos relacionados ao futebol brasileiro neste período. Além da violência sexual, os abusos costumam vir a reboque de outros crimes, como estelionato, trabalho infantil, exploração sexual e tráfico de pessoas. Em geral, os abusos são cometidos por treinadores, preparadores físicos, empresários, olheiros e dirigentes, que se aproveitam do sonho dos garotos para perpetuar suas práticas criminosas sem levantar suspeitas. Muitos abusadores são reincidentes, com passagens pela polícia ou condenados por crimes semelhantes. A maioria deixa a prisão sem passar por acompanhamento psicológico que pudesse detectar um possível transtorno de pedofilia e, como se nada tivesse acontecido, volta ao futebol para trabalhar com crianças. Como se tratam de abusos cometidos contra jovens do sexo masculino, um tipo de violação ainda mais subnotificado no Brasil por causa do estigma em torno da homossexualidade, os crimes raramente vêm à tona. Sem contar toda a resistência do ambiente machista do futebol em investigá-los. As reportagens sobre o tema serviram para que o Congresso Nacional convocasse a CBF em audiências públicas, fazendo com que a confederação finalmente reconhecesse o problema e se comprometesse a adotar medidas para combater o abuso nas categorias de base – que até hoje não foram cumpridas. Também motivaram prisões e indiciamentos de acusados. Isso mostra que a principal função do jornalismo é gerar impacto e mudanças na sociedade, leve o tempo que for. Além de seguir fiscalizando o poder e cobrando por essas transformações.
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Nesse mesmo ano (2013), você chegou a ganhar o Troféu Ford Aceesp de melhor matéria do ano com a reportagem intitulada de “O lado sombrio da bola”. A crônica já era algo presente na sua vida antes do jornalismo ou surgiu depois? Tem algum cronista que te inspira?
Prefiro a reportagem, mas vez ou outra me arrisco na crônica. Não tenho uma referência específica. De qualquer forma, leituras como as obras de Mário Filho e a própria Placar, que lia desde a infância, certamente me inspiraram bastante.
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Alguns anos atrás, PC Caju reclamou da falta de posicionamento da atual geração de atletas. De fato, é algo cada vez mais raro em um esporte tão patrocinado. Como você enxerga essa questão no futebol atual?
A mercantilização do esporte indiscutivelmente reprime o atleta em emitir posicionamentos sobre questões sociais. Personalidades negras, por exemplo, sabem que podem enfrentar resistência de marcas, patrocinadores e torcedores ao adotar discursos contundentes contra o racismo. Até mesmo pelo que já aconteceu no passado, em que jogadores como o ex-goleiro Aranha e o próprio PC Caju tiveram a carreira prejudicada por causa de suas posições antirracistas. No entanto, vejo um movimento muito interessante de atletas dispostos a usar sua notoriedade para levantar bandeiras políticas. Jovens como Lucas Santos, Igor Julião, Richarlison, Paulinho, Ludmilla, Suellen e vários outros estão se levantando contra injustiças sociais, desigualdade, homofobia, racismo, discriminação de gênero, ajudando a levar essas discussões a um público que, talvez, nem se interesse tanto por política, mas acaba instigado a pensar devido ao posicionamento de jogadores do seu time. É evidente que mais gente, principalmente os de maior destaque, poderia seguir o mesmo caminho, mas não deixa de ser um alento perceber essa politização das jovens gerações de atletas.
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Além do próprio jornalismo revelar fatos, ele também dá voz às pessoas, inclusive para os jogadores. Entretanto, atletas homossexuais ainda não se sentem seguros para isso. Tentando traçar um futuro, em que momento você acha que isso pode deixar de ser um tabu?
A imprensa ainda é muito machista e homofóbica, embora há alguns anos tenha começado a se atentar para o debate de gênero no esporte. As redações são dominadas por homens. Há pouco espaço para mulheres e pessoas LGBT na cobertura esportiva. Um atleta trans ou homossexual só se sentirá seguro em abrir publicamente sua orientação sexual quando toda a estrutura do esporte, incluindo o jornalismo, oferecer o devido suporte e amparo. Enquanto falar sobre sexualidade for um tabu para clubes e federações, a igualdade de gênero será apenas uma alegoria de campanhas educativas inócuas.
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Uma questão muito bem colocada por você, ainda em 2019, foi constatar a aproximação dos políticos com a diretoria do Flamengo, que vive ótima fase. Quais são os perigos de um clube tão popular ser utilizado como um instrumento político? Será que essa prática pode aumentar nos próximos anos?
“Ao permitir que políticos extremistas os façam de palanque, clubes de futebol acabam prestando um enorme desserviço à sociedade.”
A instrumentalização do esporte pela política sempre existiu. No Brasil, a ditadura militar, enquanto torturava e matava opositores, se aproveitou do prestígio da seleção brasileira de 1970 para propagar apelos ufanistas, assim como atualmente o Governo Bolsonaro, de extrema direita, se utiliza da paixão nacional para dar ares de normalidade ao contexto de uma pandemia. O risco que um clube de massas como o Flamengo corre, além associar sua imagem ao espectro político que ocupa o poder e desagradar uma expressiva parte de sua torcida, é o contradizer a própria história, marcada pela adesão popular. Uma coisa é o relacionamento institucional, típico de uma democracia. Outra é se deixar ser usado por figuras oportunistas com intuito de ter interesses atendidos. Ao permitir que políticos extremistas os façam de palanque, clubes de futebol acabam prestando um enorme desserviço à sociedade.
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Durante sua carreira, você trabalhou em grandes matérias que renderam grandes prêmios e indicações. Entre se disfarçar de jogador, fazer uma exclusiva com o goleiro Bruno em 2014 e tantos outros trabalhos, qual foi o que mais te marcou?
Foram experiências bem distintas, tanto entrevistar o Bruno na prisão quanto a matéria do Breillerson, uma pauta com pegada mais descontraída, mas totalmente inusitada (não é todo dia que um repórter se passa por jogador num pagode com o Vampeta). Já a ideia de entrevistar o Bruno surgiu quando um clube, o Montes Claros, anunciou sua contratação. Na época ele ainda cumpria pena pelo assassinato da Eliza Samudio em regime fechado. Entendemos que se tratava de uma questão complexa, que envolve o esgotamento do sistema penitenciário brasileiro e o debate sobre ressocialização de um reeducando condenado por crime bárbaro contra a mulher. O objetivo era justamente ir além do futebol, jogando luz sobre todos esses matizes, que julgo ter sido cumprido pela reportagem. Mas o trabalho que mais me marcou foi a investigação sobre abuso sexual no futebol, cujos desdobramentos sigo acompanhando e cobrindo até hoje.
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Que dica você dá para quem quer começar uma carreira no jornalismo esportivo?
“Tenha uma história para chamar de sua.”
Tenha uma história para chamar de sua. Pode ser o tema do seu TCC, um descaso das autoridades na sua rua, as dificuldades para manter o time amador do seu bairro… Há várias histórias que precisam ser contadas, vozes que precisam ser ouvidas e jamais esquecidas. Se disponha a transformar essa história em uma causa, em uma pauta permanente. Quando encaramos o jornalismo a partir de sua função social, que deve prezar pelos direitos humanos e a democracia, outras histórias surgem naturalmente. E, no fim, teremos várias delas para abraçar e chamar de nossas.
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Para finalizar: se sente realizado com sua carreira? Quais são seus próximos objetivos?
Sim. Tive a oportunidade de cobrir diversos jogos históricos e o privilégio de trabalhar em lugares com os quais compartilho valores, onde vale a pena fazer jornalismo. Hoje, um dos meus principais objetivos profissionais é abrir caminho e me tornar uma referência para que outros jornalistas negros passem a ocupar posições semelhantes, para que as redações não continuem sendo tão brancas. E para que o jornalismo, sobretudo no esporte, seja mais inclusivo e diverso.