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Eterno motivo de discussões, o calendário do futebol brasileiro é um fator que nivela nosso futebol por baixo. Para entender os motivos, é preciso ter um pouco de noção sobre os aspectos físicos dos atletas.
“Não sei quantas equipes fizeram isso: jogam, recuperam e no 3° dia jogam outra vez. Não existe em lugar nenhum, só no Brasil. Quem marca os jogos tem que ter coragem. É um assunto muito sério, mas ninguém no futebol brasileiro quer saber.” – Abel Ferreira, técnico do Palmeiras.
A declaração de Abel Ferreira é normal para os estrangeiros que chegam ao Brasil. De fato, não existe lugar no mundo que chegue a jogar três vezes em uma única semana. Pode acontecer, mas não é uma rotina. Em contrapartida, os técnicos brasileiros precisam se virar e colocar seus cargos em risco por conta do nosso calendário.
Entretanto, existem verdades e inverdades no final de sua fala. Existem sim, muitas pessoas lutando por uma mudança no calendário. Contudo, as mais populares, como o Bom Senso F.C, de fato desistiram no meio do caminho. Pior ainda, são os próprios dirigentes dos clubes, que assinam em baixo na hora de participarem das competições.
Mas de fato Abel Ferreira está certo. É preciso ser chato e incessante nas reclamações. Isso porque, com a falta de treinos durante a semana, o futebol jogado por nossas equipes se torna fraco e previsível, nivelando nosso futebol por baixo. Para se ter uma noção, o Kashima Antlers do Japão fez mais gols em europeus no Mundial de Clubes, do que os sul-americanos nas últimas 12 edições do torneio. Enquanto outros continentes evoluem, estamos ficando para trás. Em 2021, o Palmeiras fez a pior campanha de um brasileiro na história do Mundial.
O que fazer para driblar o calendário do futebol brasileiro atualmente?
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Como disse anteriormente, os técnicos precisam fazer manobras para manter o rendimento de uma equipe. Como exemplo, podemos utilizar Jair Ventura e Bruno Pivetti, ambos entrevistados pela PressFut.
Em 2017, o Botafogo disputou o Campeonato Estadual, a Copa do Brasil, o Campeonato Brasileiro e a Libertadores. Com isso, a equipe entrou em campo 73 vezes. Quatro jogos a menos que o Palmeiras na atual temporada. Ou seja, as equipes praticamente não treinaram. Isso porque, biologicamente, é preciso respeitar o tempo regenerativo dos atletas após os jogos, que duram 48 horas. Caso treinem antes desse tempo, acabará acarretando em lesões nos jogadores.
Em entrevista para a PressFut, Jair Ventura revelou o que fez para tentar aproveitar o momento de regeneração dos jogadores e conseguir treinar no único dia que sobra para ir ao campo:
“Eu gosto muito de usar os treinos em sala. Eu levo os jogadores para a sala, onde a gente mostra diversos vídeos, principalmente quando eles estão nas 48 horas ainda, na parte de regenerativo, onde a gente mostra as coisas positivas e coisas a melhorar. E já tem estudos que mostram a importância disso. De você poder mostrar o vídeo com áudio. Associado você tem a assimilação muito melhor do que só falar ou só mostrar. Então já que a gente não pode muitas vezes ir para o campo treinar, pois já cheguei a jogar 3 jogos em uma semana (segunda, quinta e domingo), a gente usa muito esse método, que é o treino em sala que eu chamo. Então é um facilitador para a nossa vida nesse calendário que nós temos. É uma das maneiras.” – Jair Ventura para a PressFut.
A importância da Periodização Tática no calendário do futebol brasileiro
Além dessa tática usada por Jair Ventura, também existem outras formas de tentar se adequar ao nosso calendário. Uma das principais, é a periodização tática. Ela é de grande ajuda, pois seu processo de treino se adapta ao máximo as diferentes situações. Em entrevista para a PressFut, Bruno Pivetti falou sobre:
“A Periodização Tática otimiza o tempo investido no processo de aquisição de uma determinada forma de se jogar. Assim, mesmo com a enorme quantidade de jogos no calendário brasileiro, ao operacionalizarmos o nosso processo a partir destes princípios metodológicos, conseguimos incorporar uma determinada ideia de jogo em forma de hábitos estabelecidos nos jogadores. Além disso, por meio da constituição do ciclo de treino na Periodização Tática, chamado Morfociclo Padrão, conseguimos uma organização da semana de maneira que seja respeitado ao máximo o binômio desempenho/recuperação. Isto garante com que os jogadores cheguem aos jogos em seu nível ótimo de rendimento.” – Bruno Pivetti para a PressFut.
Mas se observarmos bem, até mesmo a periodização tática é uma dificuldade para os treinadores do futebol brasileiro. Isso porque, como bem sabemos, eles não possuem o tempo necessário de trabalho. Muitas vezes, começam com as competições em andamento por causa da troca de técnicos. Entretanto, isso já é um problema dos clubes, e não da confederação. Na atual temporada, o Botafogo chegou a ter oito comandantes na beira do gramado. Número absurdo que levou o clube ao rebaixamento.
Morfociclo Padrão
Ainda assim, voltando na periodização tática, existe o citado Morfociclo Padrão, que organiza e otimiza os treinos de forma a se respeitar o condicionamento físico dos atletas.
“Dentro deste ciclo, por meio das propensões de aparecimento dos princípios de jogo nos diferentes exercícios, os jogadores têm a oportunidade de vivenciá-los na prática, estabelecendo-se assim, uma adaptação não só nas tomadas de decisão, como também na vertente física/fisiológica que demanda a execução dos princípios que rementem a ideia do Modelo de Jogo. Como o processo evolui e retrocede em função daquilo que acontece no jogo, temos a oportunidade de um aperfeiçoamento constante do Modelo de Jogo que defendemos. Já que o ciclo de treino compreende sempre os dias entre um jogo e outro. Perante estes fatores, considero uma ferramenta indispensável ao atual futebol brasileiro, pois nos ajuda a lidar com um dos calendários mais densos do futebol mundial.” – Bruno Pivetti.
Entretanto, podemos usar o modelo europeu da imagem acima como exemplo. As equipes jogam no final de semana e têm toda a semana para treinar. Todavia, sabemos que não é assim no Brasil. No mínimo, podemos adicionar um jogo no meio da semana. Com isso, já perdemos o tempo de treino, pois é preciso respeitar a recuperação dos jogadores, sobrando apenas um dia. Ou seja: é possível aplicar esse processo de treino em nosso calendário. Contudo, continua sendo em níveis nivelados por baixo. Pois temos menos tempo de treino e, automaticamente, perdemos o trabalho em campo. Por isso, pouco importa o jogo, e sim o resultado.
Alta competitividade, baixo desempenho
Portanto, mesmo com todas as táticas usadas pelos treinadores para driblar o calendário do futebol brasileiro, ele continua sendo um empecilho. O Brasileirão é um dos campeonatos mais disputados do mundo, todavia, em níveis abaixo do ideal. Na atual temporada, os times parecem nem querer ganhar o campeonato, pois a cada rodada, alguém perde a chance de disparar por conta de seus próprios desempenhos ruins. Usando novamente o Palmeiras de exemplo (time que mais jogou na temporada), a equipe tem um aproveitamento de 25% contra times do Z4. Ganhou apenas uma partida. Isso porque estamos falando de um time com alto investimento financeiro e consequentemente com um grande elenco disponível.
Cabe a todos reclamar do calendário do futebol brasileiro. Mas também é muito válido reclamar dos próprios clubes. Não adianta um clube não concordar com o calendário se os outros 19 concordarem. Por isso, é preciso mais união pelo menos neste assunto. Pois sabemos que por aqui, é cada um por si. Mas felizmente, é algo que pode mudar.
O sindicato mundial de jogadores de futebol (FIFPro) assinou um contrato de cooperação de três anos com a companhia KPMG para a criação de uma plataforma que vai ao ar em março. Ela monitorará a carga de trabalho dos jogadores como: tempo de jogo, número de viagens e período de recuperação. Tanto para homens, quanto para mulheres. Segundo o sindicato, a meta é tornar as competições mais sustentáveis e menos desgastantes para os profissionais que, muitas vezes, como no caso do Brasil, não tiram nem os 30 dias de férias previstos na lei.