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Mais de 20 anos depois da Lei Pelé, a discussão sobre clube-empresa no Brasil volta à tona. Dessa vez, a necessidade de mudar está batendo na porta. Estamos ficando para trás enquanto as dívidas dos clubes aumentam com gestões amadoras, corruptas e ultrapassadas. Por isso, visando se salvar e mudar o destino, alguns clubes começam a se movimentar ao mesmo tempo em que a política fica de olho.
Após exemplificar um pouco da mordomia dos cartolas brasileiros no último texto, deu para entender que para atrair investimentos, é necessário se profissionalizar. Isso pode acontecer por conta própria, como no caso do Flamengo, que mesmo se profissionalizando não virou empresa, ou pelo menos, vendendo um projeto/case que atraia algum investidor e, junto com ele, se profissionalize.
Esse é o primeiro passo, simples. Agora, quem realmente está interessado? Os políticos estão acostumados a ter controle e os clubes estão acostumados a não pagarem impostos. No Brasil, ainda há muita confusão quando falamos de transformar clubes em empresas ou vender clubes de futebol. As pessoas tem medo de perder seu time do coração mesmo vendo diversos exemplos ao redor do mundo. Diante desse cenário, alguns dirigentes tentam cutucar esse medo dos torcedores. O Flamengo por exemplo, hoje bem estruturado e com certa vantagem diante dos outros times, foi o primeiro clube grande a se declarar contra essa evolução no futebol brasileiro. Essa atitude certamente não leva a lugar nenhum, como explica Pedro Trengrouse, FIFA Master.
“A profissionalização é a chave, com certeza, mas no Brasil é preciso mudar o ambiente regulatório urgentemente. É preciso reconhecer que clubes são diferentes entre si. Um clube de várzea não pode ter o mesmo tratamento que um clube que fatura R$ 600 milhões/ano. O futebol profissional brasileiro precisa de legislação que permita e incentive o profissionalismo e a boa gestão. Até hoje o processo legislativo sempre foi influenciado pela situação de clube A ou B.” – Pedro Trengrouse ao Globo Esporte.
Alguns clubes chegaram em um ponto que não tem mais para onde ir. A única solução é atrair investidores para se profissionalizar ou se acostumar com rebaixamentos e viver assim. Ser contra projetos é totalmente aceitável, mas ir contra a profissionalização que é proposta para clube-empresa, não soluciona nada. A não ser que apresentem novas soluções.
Não existe um padrão de clube-empresa
Falar sobre clube-empresa no Brasil costuma soar muito genérico ou simplista. Pensamos logo em nos tornar o novo PSG ou Manchester City. Mas não é assim que a banda – necessariamente – deve tocar. No real sentido da palavra, virar clube-empresa realmente só tem um jeito, mas existem algumas formas de se implementar uma gestão profissional em uma empresa. Tentando resumir ao máximo, deixo 3 exemplos completamente diferentes abaixo.
Rodrigo Maia se articulando
O primeiro projeto que vamos discutir aqui não é bem de um clube, mas sim de políticos, popularizado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Antes de tudo, vale deixar claro que esse projeto nada tem a ver com o que está sendo implementado no Botafogo, mesmo sendo Maia, um conhecido torcedor fanático do alvinegro carioca. Aliás, o projeto de Maia, no máximo, facilita a implementação, mas o Botafogo independe dele, o que deixa ainda mais claro que não existe um padrão de clube-empresa.
O projeto original é do deputado Otavio Leite (PSDB) e conta com a ajuda de Pedro Paulo (DEM). Segundo Rodrigo Maia, a intenção é estruturar melhor os clubes para atrair capital privado e/ou estrangeiro para o futebol brasileiro. Para isso, os clubes se tornariam empresas, pagariam impostos, e necessitariam de mais transparência. Se de fato há uma preocupação quanto ao futebol ou se é apenas uma forma de conseguir mais impostos, não há como saber, mas há clubes animados com a possibilidade e mantemos aqui as palavras do Presidente da Câmara.
Pedro Trengrouse, coordenador de Estudos do Esporte da FGV e FIFA Master, é o braço direito de Rodrigo Maia no desenho de seu projeto clube-empresa. Ele é um dos principais nomes no Brasil focados nessa questão, inclusive, roda o mundo participando de palestras sobre o tema. Durante uma dessas expedições, fez questão de falar sobre o Botafogo, justamente por ter um pensamento mais moderno quanto a autonomia.
O mau exemplo de clube-empresa no Brasil
Virar empresa não é a solução para todos os problemas e o Figueirense sentiu isso na pele. Quase rebaixado para a Série C, o clube catarinense fez um acordo com uma empresa onde cedia 95% do clube, e os 5% restantes, ainda gerenciava o clube na mesma proporção que os 95%. Eles esperavam reforços financeiros mantendo a autonomia, mas isso não aconteceu e o time chegou a perder por W.O na Série B porque os atletas estavam sem receber e se recusaram a jogar.
“Falei do Botafogo para mostrar que o Brasil está amadurecendo e um dos sinais é justamente a disposição de um clube com a tradição do Botafogo em profissionalizar 100% a gestão com a captação de investimentos privados. Geralmente, clubes brasileiros buscam investimentos, mas querem continuar participando da gestão. Foi assim com a ISL, o Nations Bank, a Parmalat, o Hicks Muse etc. Além da insegurança jurídica do atual ambiente regulatório do futebol brasileiro, essa interferência de estruturas amadoras na gestão é um dos principais motivos que dificultam investimentos nos clubes brasileiros.” – Pedro Trengrouse ao Globo Esporte.
A Elephant, empresa que havia adquirido o Figueirense, rompeu com o clube no ano passado, no auge da crise, com o time ainda na zona do rebaixamento da Série B. A empresa administrava o clube desde 2017. Atualmente, o time acumula 120 milhões em dívidas, o que certamente aumentará, pois jogadores e funcionários estão acionando o clube na justiça.
O acordo foi tão mal feito, que ficou difícil até para a comunicação. A empresa, depois de sair, disse que o Figueirense abandonaria a Série B, mas logo foi desmentida pelo diretoria, que alertou que eles não tem mais direito de falar em nome do clube. Nesse contexto, o Figueirense além de continuar sendo amador, ignorou algumas preocupações simples que normalmente os clubes tomam: garantia de investimento, prazo mínimo para sair do projeto e o estatuto, que sempre garante tradições importantes e mais conservadoras como mudanças nos uniformes e escudo.
RB Bragantino
Esse já é um caso até mais raro, mas que acontece pelo mundo. Aliás, a RedBull, que comprou o Bragantino, já tem times em outros 3 países, sendo potência na Áustria e lutando por título nacional na Alemanha. Aqui no Brasil, o primeiro ano (pelo Bragantino) foi só de alegria. Campeão com certa tranquilidade na Série B, o RB Bragantino chega na primeira divisão com um aumento na receita de fazer inveja em times do G12. Se no ano passado eles contaram com 45 milhões em receitas, esse ano terão 200 milhões. Muito clube tradicional da Série A não tem isso.
Com esse investimento, a ideia é se manter na primeira divisão e inclusive beliscar uma vaga na sul-americana. Para isso, um planejamento sério está sendo feito. A Red Bull tem a intenção de formar um time jovem com potencial de venda futura, e para isso, já foi ao mercado e trouxe talentos como Leo Realpe, zagueiro de 18 anos que se destacou na Sul-americana pelo Del Valle, contra o Corinthians. Entretanto, engana-se quem pensa que o clube vai liberar jogador por qualquer preço. Claudinho, que foi destaque da Série B aos 22 anos, foi sondado por diversos clubes da elite, mas renovou com o braga.
Antes mesmo de disputar grandes campeonatos, deu para sentir que o clube paulista tem a intenção de bater de frente com os mais tradicionais. O ex-alvinegro já gastou mais do que os 4 principais times de São Paulo, inclusive contratando jogador deles, como Arthur, do Palmeiras, um investimento de 27 milhões. Para isso, a aplicação ajuda também na estruturação do centro de treinamento, categorias de base e até mesmo no marketing com presença no mundo digital, resgatando um certo orgulho/engajamento na população de Bragança.
O que esperar dos novos projetos?
Para saber se um projeto de clube-empresa no Brasil pode dar certo, é preciso analisar o planejamento. Qual tipo de negócio se quer fazer, como e por quê. No Botafogo por exemplo, após aprovarem a transformação do futebol do clube-social em uma empresa, foi convocada uma Assembleia Geral Extraordinária entre os associados para votarem no tipo de gestão – já pré-estruturadas e apresentadas – que achassem melhor.
A necessidade de cada clube molda o tipo de interferência que deve ser feita, mas não se pode deixar entregar a qualquer “Messias” que apareça como solução dos problemas. É preciso estudo, inclusive com ajuda de empresas de auditoria pagas para fazer o serviço, e planejamento para se antecipar de todos os riscos futuros.
Se começar a dar certo em alguns clubes, será possível ver uma maior demanda mais na frente, por hora, nos resta acompanhar os passos de quem está se movimentando. No próximo texto da semana, falaremos inclusive do Botafogo, o primeiro dos grandes a buscar ajuda financeira e principalmente, profissional, que é algo que faltou durante quase toda a história do time.
Até a próxima matéria.