O descobrimento da América
Futebol, Futebol Internacional

O descobrimento da América

Essa não é uma história sobre o descobrimento da América que conhecemos. Você não encontrará Cristóvão Colombo e nem voltará para o dia 12 de outubro de 1492. Mas conhecerá o momento em que o futebol latino ganhou o mundo.


Quando os uruguaios tratam as Olimpíadas de 1924 e 1928 como se fossem duas Copas do Mundo, eles possuem certa razão. Essas duas estrelas acima de seu escudo remetem ao dia em que o Uruguai ganhou um lugar no Mapa-múndi. Na época, ainda não existia Copa do Mundo e, enquanto isso, Atilio Narancio, dirigente uruguaio, hipotecava sua casa para pagar as passagens de terceira classe para os jogadores da seleção.

Naquele momento, a camisa celeste mostrava ao mundo que existia. E ao conquistar aquela Olimpíadas de 1924 em Paris, o país deixou de ser anônimo. Mas uma coisa deu um tom especial em ambas as conquistas: os dois grupos de ouro eram formados por operários e boêmios. Jose Leandro Andrade era compositor de carnaval e engraxate, Perucho Petrone era verdureiro e Pedro Cea, entregador de gelo. Entre os demais ainda haviam: operário de frigorífico e até cortador de pedras de mármore.

Em 1924, a recepção não era nada familiar. Os jogadores dormiam em bancos de madeira, viajavam em vagões e disputavam os jogos em troca de um teto e comida. Foi a primeira vez que uma equipe latino-americana jogou na Europa. Antes da primeira partida, contra a Iugoslávia, foram espionados no treino. Contudo, ao perceber, ficaram chutando as bolas para o alto e, ao enganar os espiões, foram tratados como “pobres rapazes que vieram de tão longe para passar vergonha”.

O (re)descobrimento da América

O descobrimento da América
A bandeira uruguaia utilizada no jogo contra a Iugoslávia em 1924.

Para a estreia latino-americana na Europa, somente duas mil pessoas estiveram presente. Poucos conheciam algo na América-latina além do Brasil. Por isso, na hora do hino uruguaio, os europeus tocaram uma marchinha brasileira. Já a bandeira, foi estendida com o sol uruguaio de cabeça para baixo. Entretanto, o Uruguai resolveu responder em campo. Naquele primeiro jogo, um singelo 7 a 0 na Iugoslávia.

Foi ali então, que redescobriram a América. Uma multidão começou a se aglomerar para assistir aquele futebol vistoso e alegre. Diferente de toda monotonia europeia. O escritor Henri de Montherlant publicou na época:

“Uma revelação! Eis aqui o verdadeiro futebol. O que jogávamos, não era, comparado com isto, mais que um passatempo de escolares.”

O sucesso foi tanto, que conforme iam avançando no torneio, os jogadores uruguaios começaram a receber presentes de mulheres francesas dos bailes noturnos de Paris. O destaque daquela competição foi Andrade, conhecido como “A Maravilha Negra” por sua classe dentro de campo. José Leandro Andrade era filho de um-escravo que fugiu do Brasil para o Uruguai. Boêmio e compositor de carnaval, fez sucesso nas noites francesas.

Motivos e consequências

Depois dessa década de conquistas olímpicas pelos uruguaios, surgiu a Copa do Mundo em 1930. Mais uma vez, vitória Uruguaia, que futuramente, viria a ganhar a Copa de 1950 aqui no Brasil. Mas é preciso falar sobre os motivos que fizeram aqueles operários uruguaios, conquistarem 4 títulos internacionais. Antes e durante as conquistas, o Uruguai inaugurou campos de esporte por todo o país graças a uma política oficial de apoio à educação física. Por um momento, um projeto de Estado com vocação social. Depois, quatro conquistas que colocaram o Uruguai no mapa do mundo.

Partindo dessas experiências, podemos notar a importância do futebol nas relações políticas internacionais. Em matéria publicada na PressFut (clique aqui para ler), o jornalista Cleyton Santos falou sobre a importância do esporte ter a noção de que ele, por vezes, é mais forte que política e religião. No passado, o futebol revelou o Uruguai para o mundo. Atualmente, é a vez dos clubes e confederações usarem o futebol, para apoiarem políticas públicas, como a que fez o Uruguai conquistar quatro títulos internacionais, e levar operários ao posto de ídolos.

Ou seja, se por um lado vimos Hitler e Mussolini usando o futebol para promoverem suas ideologias genocidas, também vimos o Uruguai usá-lo para o bem. Portanto, temos os dois lados para seguir ou não de exemplo. Enquanto a França se encantava com o futebol uruguaio, o mundo vivia o segundo descobrimento da América.

Daniel Dutra

Jornalista e fundador da PressFut. Também atua no SBT e na Rádio Tupi.
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