Reinaldo, o pantera. Crédito: Pedro Silveira
Futebol, Futebol Nacional

Reinaldo, o pantera que desafiou a ditadura militar

Um gesto que marcou uma carreira. O punho cerrado do atacante da Seleção Brasileira foi visto como uma afronta a ditadura presente na América do Sul na época. Reinaldo, o pantera, se tornaria reserva a partir dali, mas sem abaixar a cabeça.


Ídolo do Atlético Mineiro, José Reinaldo de Lima, foi um grande jogador da história brasileira. Campeão brasileiro, Reinaldo marcou 255 gols em 475 jogos pelo clube, mantendo-se como o maior artilheiro do campeonato brasileiro no período de 1977 à 1997, com 28 gols marcados em 18 jogos. Mas sua imagem ultrapassou o limite das quatro linhas.

Na estreia da Copa do Mundo de 1978, o Brasil perdia por 1 a 0 até que o jovem Reinaldo de 21 anos e com a camisa 9 do Brasil nas costas, empatou para a seleção canarinha. No instante, podia-se imaginar a felicidade do primeiro gol, mas Reinaldo era rebelde e não se contentou com a função de atacante. Na comemoração, em um impulso que deixaria Matthias Sindelar (o craque que provocou Hitler) orgulhoso, o jovem atleticano ergueu o punho em um gesto inspirado no movimento dos Panteras Negras e na dupla John Carlos e Tommie Smith, atletas americanos que protestaram no pódio da Olimpíada da década anterior.

A comemoração foi vista como uma afronta aos regimes militares vigentes na América do Sul na época, principalmente a ditadura militar brasileira, com quem já trocava farpas. Naquele tempo, a Confederação de Desportos (atual CBF) era comandada por militares, que Reinaldo acusa de ter lhe impedido de disputar a final do Campeonato Brasileiro contra o São Paulo 3 meses antes, após uma manobra para puni-lo.

As farpas com a ditadura

Reinaldo de punho cerrado.
Reinaldo de punho cerrado, comemoração que marcou a carreira do ídolo atleticano.

“Quando fiz o gesto pela primeira vez, todos vieram até mim querendo saber o que aquilo significava. Muitas vezes, para driblar a repressão, eu dizia que era um protesto estritamente racial. Eu precisava tomar cuidado, pois os ‘dedos-duros’ do governo estavam sondando, querendo descobrir se eu seria como instrumento de algum grupo revolucionário. Percebia que o meu gesto era um alento aos socialistas, um sinal de apoio e de unidade perante uma causa”. – Reinaldo, na biografia ‘Punho Cerrado: a história do Rei’, publicada em 2017.

Um incidente na apresentação para a Copa, foi o encontro com o general Ernesto Geisel, no Palácio de Piratini: “Você joga bola, não fale de política, deixe a gente resolver os assuntos da política”, disse o presidente da ditadura para o craque alvinegro.

Esse encontro com Geisel e a “desobediência” de Reinaldo foi um indício do que viria pela frente. O atacante revelou que na concentração brasileira na Argentina, recebeu um envelope anônimo com um relatório que denunciava “a colaboração entre regimes militares da América do Sul na perseguição de adversários políticos”, conhecida como Operação Condor. No envelope, colocavam em dúvida a morte de Juscelino Kubitschek, dois anos antes, em acidente na Via Dutra. O craque entregou o papel ao compositor Gonzaguinha, amigo opositor da ditadura, que também acabou morrendo num acidente de trânsito mais tarde.

“O corpo fascista do país começou a me minar. Não só moralmente, mas com assédio de todo o tipo. Falavam que eu era cachaceiro, maconheiro, viado. Era uma campanha difamatória, linchamento moral. Eu não tinha partido, sindicato, nada. Fui massacrado sozinho”. – Reinaldo ao El País.

Há muito tempo um jogador de nível nacional não se manifestava assim, pelo menos desde Afonsinho. Se por um lado ele sofreu linchamentos da ditadura, o jornal “Movimento” e outras pessoas se solidarizaram com o craque. Ainda assim, algo bem menor do que o ideal, talvez pelo próprio receio da ditadura ou por pura falta de empatia.

“O apoio que recebi vinha mais da classe artística e, mesmo assim, era silencioso. Quase ninguém tinha coragem de se manifestar. Fiquei muito isolado, sofrendo todo tipo de ataque. Esse gesto (comemoração) de alguma forma passou a mensagem de que precisávamos de um país democrático e com mais justiça social”, Reinaldo, na biografia ‘Punho Cerrado: a história do Rei’.
Vale lembrar que durante o período de atuação do Rei, ainda não existia oposições tão explícitas à ditadura. Movimentos como a “Democracia Corinthiana” só surgiriam na década de 1980, quando Reinaldo, o pantera, já deixaria de ser convocado. Ele foi um dos primeiros futebolistas a pedir Diretas Já.

Reinaldo foi um dos maiores atacantes da história do Brasil. Idolatrado por Romário, o pantera fez seu nome em campo. Chutes precisos com ambas as pernas, cabeçadas certeiras e um drible seco. Em suas arrancadas deixava todos para trás com apenas um toque. Com o posicionamento político fora do certame, o jornal “Movimento” intitulou o craque como: “Reinaldo, bom de bola e bom de cuca”.

Daniel Dutra

Jornalista e fundador da PressFut. Também atua no SBT e na Rádio Tupi.
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