Sindicalismo no futebol.
Futebol

Sindicalismo no futebol: entre vitórias e desistências

Daniel Dutra
Siga-me

Hélio Caxambu, 1947; Maradona, 1994; Alex, 2013… O sindicalismo no futebol foi responsável direto por grandes mudanças no esporte. Do fim do feudo, até as novas regras atuais. Entre conquistas e desistências, todas as lutas serviram de inspiração.


No final de 1994, uma lista encabeçada por Maradona, Bebeto, Hugo Sánchez, Zamorano, Stoichkov, Francescoli e Landrup começaram a trabalhar pela criação de um sindicato internacional de jogadores de futebol. Entretanto, a missão não foi nem um pouco fácil. Entre os principais oponentes, não estavam nem seus clubes, mas a federação internacional de futebol.

No ano seguinte, já ao final de 1995, Joseph Blatter, ainda braço direito do então presidente da FIFA, João Havelange, concedeu uma entrevista para a revista Placar no Brasil. Papo vai, papo vem, o jornalista aproveitou para perguntar sobre a opinião do mandatário, sobre esse sindicato internacional de jogadores que estava se formando. Todavia, para cortar qualquer alongamento do assunto, Blatter respondeu:

“A FIFA não fala com jogadores – respondeu Blatter. – Os jogadores são empregados dos clubes.”

A luta pela liberdade de trabalho e os direitos humanos

Maradona e Pelé foram responsáveis por grandes mudanças no futebol mundial. Crédito: Patrick Kovarik/AFP
Maradona e Pelé foram responsáveis por grandes mudanças no futebol mundial. Crédito: Patrick Kovarik/AFP

Mas enquanto Blatter esbanjava seu desprezo, os atletas receberam a primeira boa notícia. Uma das principais pautas em vigor, era sobre a liberdade do atleta ao final de seus contratos, como existe hoje. Na ocasião, os jogadores europeus ficavam presos nos clubes mesmo após o vencimento de seus contratos. O que para eles, violava a liberdade de trabalho e os direitos humanos. Por isso, a Suprema Corte de Luxemburgo, principal autoridade judiciária da Europa, pronunciou-se a favor de Jean-Marc Bosman.

Jean-Marc Bosman foi um famoso meio-campista belga. Ele jogou a maior parte de sua carreira no Standard de Liège. Durante essa luta, ele foi um dos exemplos usados na falta de liberdade de trabalho. Após a sentença da Suprema Corte de Luxemburgo, foi estabelecido que os jogadores europeus estariam livres quando acabassem seus contratos com os clubes. Depois dessa decisão do judiciário Europeu, foi a vez do Brasil se adequar aos direitos trabalhistas. A Lei Pelé foi um passo muito importante para quebrar de vez os laços de servidão feudal.

“Os jogadores, o que são? Micos de circo? Embora se vistam de seda, continuam micos? Nunca foram consultados na hora de decidir quando, onde e como se joga. A burocracia internacional altera as regras do futebol a seu gosto, sem que os jogadores tenham arte nem parte. E não podem nem mesmo saber quanto dinheiro produzem suas pernas, e onde vão parar essas fortunas fugitivas.” – Eduardo Galeano no livro “Futebol ao Sol e à Sombra”.

O fim do feudo não foi o fim da censura

Paulo Autuori. Crédito: Thiago Ribeiro/Agif
Paulo Autuori foi punido por 15 dias pela FERJ. Crédito: Thiago Ribeiro/Agif

Entre outras reivindicações, estavam a liberdade de expressão. Os anos passavam e nada dela acontecer. Por mais que o mundo evoluía e certas declarações começavam a ganhar liberdade, ainda era, e continua sendo muito pouco. Os jogadores já haviam se tornando cartazes ambulantes, levando o nome de diversos patrocinadores em suas camisas. Entretanto, até mesmo mensagens de solidariedade social continuaram proibidas.

Em 1997, alguns atletas argentinos quiseram expressar apoio às reivindicações salarias de mestres e professores. Contudo, Julio Grondona, presidente do futebol argentino, proibiu qualquer manifestação dos jogadores sobre esse assunto. Antes disso, a FIFA já havia punido com uma multa, Robbie Fowler, ex-jogador inglês, pelo “crime” de escrever uma mensagem de adesão à greve dos operários dos portos em sua camisa.

Atualmente, mensagens de apoio tornaram-se legais. Ainda que com ressalvas. Já a liberdade de expressão, continua sucumbida. Aqui no Brasil, o ex-goleiro Jefferson foi julgado pelo Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) em 2013, por desenhar um peixe em seu penteado. A figura do peixe representa os Atletas de Cristo, o que para o TJD, é uma manifestação religiosa que não cabe ao atleta fazer. Mais recentemente, em 2020, Paulo Autuori foi punido por três jogos após criticar a mamata da gestão corrupta do presidente da FERJ, Rubens Lopes, e declarar guerra aos serviços feudais.

O começo e o fim do Bom Senso FC

Sindicalismo no futebol: o começo e o fim do Bom Senso FC. Crédito: Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians
Bom Senso FC durou apenas 3 anos. Crédito: Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians

A briga de Paulo Autuori com a FERJ começou após a federação forçar a volta do futebol no começo da pandemia do novo coronavírus. Na ocasião, o treinador foi uma voz solitária, recebendo apoio apenas do Botafogo (seu clube na época) e do Fluminense. Mas toda essa solidão têm um motivo. Ela marca a desistência de novas reivindicações. Por isso, voltaremos um pouco para o início da última década. Em 2013, jogadores e ex-jogadores como: Alex, Paulo André, Juan e Fernando Prass, se reuniram para reivindicar mudanças na CBF. Imagens de jogadores sentados no gramado ou de braços cruzados se tornaram comum no futebol brasileiro antes de começar os jogos na época.

Tendo como diretor-executivo, Enrico Ambrogini, o movimento colheu mais de 300 assinaturas para um manifesto entre atletas dos principais clubes brasileiros e determinou cinco pontos básicos a serem discutidos com a CBF:

  • Calendário do futebol nacional;
  • Férias dos atletas;
  • Período adequado de pré-temporada;
  • Fair-play financeiro;
  • Participação nos conselhos técnicos das entidades que regem o futebol nacional.

O encontro com a confederação nacional para a entrega das assinaturas contou com a presença de 20 jogadores de vários clubes do país.

A desistência
Bom Senso FC durou apenas 3 anos. Crédito: Fotoarena
Atletas sentados em protesto antes do apito inicial. Crédito: Fotoarena

Contudo, não demorou muito para que o movimento fosse tomado pelo cansaço. Durante as reuniões, foram gastos aproximadamente R$ 500 mil – investidos em passagens aéreas à Brasília para reuniões sobre o Profut, por exemplo. Portanto, após três anos de ativismo, o Bom Senso FC chegou ao fim. Em anúncio feito pela Folha de São Paulo, os atletas presentes no grupo não mais darão a cara para criticar a Confederação Brasileira de Futebol, como disse o diretor-executivo, Enrico Ambrogini:

“Os jogadores não darão mais a cara. Eu e o Ricardo (Borges, outro diretor) continuaremos tocando pautas de melhorias do nosso futebol. Falta de recurso, tanto financeiro quanto humano. Eu e Ricardo estamos em pautas mais aprofundadas, que não nos dá tempo para dedicação a algumas tarefas básicas do movimento, como representação em Brasília, reunião de jogadores e escolha de novas bandeiras.” – revelou Ambrogini, que deu explicações sobre as dificuldades, ao LANCE!.

Ainda assim, questões como o calendário brasileiro avançaram dentro das reuniões da entidade. Mesmo que pouco comentado publicamente. Inclusive, Fernando Baptista, ex-diretor jurídico do grupo, declarou na época: “O Bom Senso pode ser retomado a qualquer momento. A semente foi germinada, deu fruto e está ali. Faltou aparecer novos atletas para seguirem na luta.”

Críticas ao Bom Senso FC

Todavia, mesmo apoiando o movimento, algumas personalidades do esporte criticaram pautas e a falta de pautas do grupo. Para Ronaldo Fenômeno, o debate deveria ser mais amplo. Segundo ele, o movimento “não citou nada sobre o futebol feminino e não discutiu nada sobre os jogadores do passado, muitos deles se encontram em dificuldades. Isso é só o início da discussão”. Para Carlos Alberto Torres, o problema não é o calendário em si, mas o deslocamento das equipes. E assim por diante. Portanto, segundo eles, o Bom Senso foi importante, mas deixou passar alguns objetivos.

O primeiro Sindicato de Atletas do Brasil

O ex-goleiro Hélio foi responsável pelo primeiro Sindicato no Futebol Brasileiro.
O ex-goleiro Hélio foi um dos responsáveis pelo primeiro Sindicato de Atletas no Futebol Brasileiro.

Façamos novamente uma viagem no tempo. Em 23 de julho de 1947, quinze atletas liderados por Hélio Geraldo Caxambu, ex-goleiro do São Paulo, fundavam o primeiro sindicato de atletas profissionais do Brasil. O primeiro encontro aconteceu na sede da Associação Comercial, na Rua Libero Badaró, em São Paulo, num momento político extremamente conturbado. Mas foi ali que nasceu o Sindicato de Atletas Profissionais do Estado de São Paulo (SAPESP).

Ele contou com o apoio de nomes importantes como: Pelé, que se tornaria conselheiro fiscal na gestão Gerson Passadore (1958-1969), Bellini, Gilmar dos Santos Neves e Djalma Santos. São raras as documentações da história sobre o sindicalismo no esporte brasileiro. Por isso, em 2007, o Sindicato resolveu lançar um livro para comemorar seus 60 anos. O livro “Uma ponte para o futuro” (Gryphus/Sapesp, 2007) conta sobre a história da entidade, mas principalmente sobre a evolução do sindicalismo e das leis esportivas no país.

Hoje, quando a categoria precisa de apoio, é com os sindicatos que podem discutir. Felizmente, os outros estados também possuem seus sindicatos. Portanto, vimos de exemplo que o sindicalismo no futebol foi muito importante para a evolução do esporte. Antes da luta dos atletas, poucos direitos eram respeitados, e muitas leis eram precárias.

As leis a partir do sindicalismo no futebol

A definição de sindicato é simples: associação estável e permanente de trabalhadores tanto urbano-industrial, como rurais e de serviços, que se unem a partir da constatação e resolução de problemas e necessidades comuns. Ou seja, o futebol, assim como qualquer outra classe com vínculo empregatício, possui seus direitos. Quando Hélio Geraldo Caxambu tomou a frente das reivindicações em 1947, deu o início a evolução do futebol brasileiro. Pelo mundo, a figura de Maradona contrastou com a de Joseph Blatter, que assim como Hélio, inspirou novos dirigentes. Contudo, de forma infeliz. Assim como Blatter, os atuais engravatados continuam tentando barrar novas evoluções.

Mas se dermos um pulinho na China por exemplo, podemos tirar ainda mais lições. Para priorizar o desenvolvimento dos atletas chineses e controlar a bolha financeira, o futebol chinês incluiu novas regras que acabam com as transferências milionárias e os altos salários dos jogadores. Um ponto que, para Vampeta, deveria ter sido discutido pelo Bom Senso FC aqui no Brasil.

“As bolhas financeiras afetam não apenas o presente, mas também o futuro do futebol chinês. Além disso, nossa seleção nacional está ficando para trás no ranking da FIFA (74º).” – Xuyuan, presidente da federação chinesa de futebol.

Portanto, vale ressaltar que as lutas sindicalistas no futebol deram origem as novas leis que surgem atualmente nas próprias federações e confederações. Ou seja, por mais que algumas lutas não deram certo, serviram de exemplo. Enquanto surgirem novos Hélios e Maradonas, haverá reivindicações no futebol.

Daniel Dutra

Jornalista em formação e apaixonado por esportes. Juntei essas duas paixões para produzir conteúdo e valorizar a comunicação criando um portal para levar informação e gerar oportunidades.
Ler todas as publicações de Daniel Dutra
0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments