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Um estudo da Universidade do Esporte da Alemanha sobre o impacto das mudanças de técnicos no Brasil detalha causas e consequências dessa rotatividade.
Conhecido por revelar grandes talentos, o Brasil exporta jogadores com uma facilidade tremenda. Contudo, um de seus últimos agentes formadores – o treinador – pouco ou, quase nunca, vive a mesma ascensão. Isso levanta discussões sobre a qualidade dos técnicos brasileiros. Todavia, a discussão aqui passa sobre uma falha do nosso futebol, que faz com que poucos, ou nenhum trabalho, tenha o devido processo de evolução.
Um debate indireto costuma acontecer entre torcedores, jornalistas e dirigentes. Uma das maiores reclamações, é a suposta falta de estudos e atualizações dos treinadores brasileiros. Em contrapartida, quando um treinador se mostra estudado, uma outra parte, ou até mesmo os que cobraram estudo, criticam também. Nessas ocasiões, dizem que falar bonito não ganha jogo ou que quem não foi jogador não entende nada. O futebol como entretenimento emocional, não pode ser gerido por torcedores. Entretanto, nossos dirigentes são justamente isso: torcedores. Por que ninguém cobra estudo dos dirigentes?
Ao fomentar essa discussão, lembramos de uma das causas da rotatividade dos técnicos: o imediatismo. A partir de uma metodologia científica, a Universidade do Esporte da Alemanha (Deutsche Sporthochschule Koln) investigou 16 temporadas do campeonato brasileiro (pontos corridos). Foram 6506 jogos disputados, 264 treinadores empregados e 41 clubes participantes da Série A entre 2003 a 2018. A partir desse estudo, podemos ter uma noção das causas e consequências da rotatividade dos treinadores. Antes de mais nada, é preciso olhar o contexto. Por isso, é importante falar sobre os empecilhos “naturais” do Brasil.
Empecilhos do futebol brasileiro
Podemos começar pelo polêmico calendário brasileiro. Em entrevista para a PressFut, Jair Ventura revelou que fazia treinos em salas de vídeo na época que comandou o Botafogo. Em 2017 por exemplo, ele disputou 73 partidas no ano, jogando até três vezes por semana. Para quem estuda ou trabalha com fisiologia, educação física e áreas adjacentes, reconhece que chega a ser desumano, um atleta disputar jogos em intervalos de 48 horas. Isso porque, esse tempo seria na verdade, o necessário para o regenerativo do atleta. Logo, como se treina uma equipe no futebol brasileiro respeitando o regenerativo biológico dos jogadores?
“Eu levo os jogadores para a sala, onde a gente mostra diversos vídeos, principalmente quando estão nas 48 horas, na parte de regenerativo, onde a gente mostra as coisas positivas e coisas a melhorar. E já tem estudos que mostram a importância disso. De você mostrar o vídeo com áudio. Associado você tem a assimilação muito melhor do que só falar ou só mostrar. Então já que a gente não pode muitas vezes ir para o campo treinar, a gente usa muito esse método.” – Jair Ventura para a PressFut.
Dessa forma, o desgaste físico aumenta e o tempo de recuperação diminui. Quando termina o ano, ou até mesmo na metade da temporada, duas coisas acontecem com frequência: perde-se jogadores lesionados, ou vende-se os jogadores desmontando as equipes. Além dessas preocupações, os técnicos lidam com a desorganização da CBF. Muitas vezes, eles precisam alterar treinos e rotina em cima da hora. Isso porque, jogos e horários de jogos são alterados com frequência. Ou seja: a desorganização do nosso futebol já inviabiliza um crescimento exponencial dos treinadores brasileiros. Ao juntar-se com o imediatismo, ocorrem as mudanças de técnicos.
Outras formas de driblar o calendário
Além do método utilizado por Jair Ventura, há outras formas de tentar sobreviver ao calendário brasileiro. Em entrevista para a PressFut, Bruno Pivetti, ex-técnico do Vitória, contou como utiliza a Periodização Tática para otimizar o tempo.
“Mesmo com a enorme quantidade de jogos no calendário brasileiro, ao operacionalizarmos o nosso processo a partir dos nossos princípios metodológicos, conseguimos incorporar uma determinada ideia de jogo em forma de hábitos estabelecidos nos jogadores. Além disso, por meio da constituição do Morfociclo Padrão, conseguimos uma organização da semana de maneira que seja respeitado ao máximo o binômio desempenho/recuperação. Isto garante com que os jogadores cheguem aos jogos em seu nível ótimo de rendimento. O ciclo de treino compreende sempre os dias entre um jogo e outro. Perante estes fatores, considero uma ferramenta indispensável ao atual futebol brasileiro, pois nos ajuda a lidar com um dos calendários mais densos do futebol mundial.” – Bruno Pivetti para a PressFut.
O tempo dado aos treinadores e a falta de critério nas mudanças de técnicos
Os técnicos possuem pouco tempo de trabalho. E essa frase pode ser lida em dois sentidos. O primeiro sentido, é o que acabamos de discutir. Não há tempo para treinar a equipe. O segundo, é o seguinte: eles ficam pouco tempo no cargo. No estudo, a média foi de pouco mais de dois meses. Para os interinos, duas semanas. Mas dentro dessa média, situações como a do Botafogo desse ano ocorrem sempre. O clube começou o ano com Alberto Valentim, já sob pressão da torcida, que não queria sua continuidade. Antes do fim do estadual, foi demitido e substituído por Paulo Autuori. Dessa vez, pressões políticas no clube ajudaram na saída de Autuori antes da metade do campeonato brasileiro. Para seu lugar, o interino Bruno Lazaroni.
Bruno Lazaroni durou apenas seis jogos. No gráfico acima, vimos que a média para um pequeno impacto na mudança do treinador, vem a partir do sétimo jogo. Nem mesmo isso foi possível para Lazaroni. Agora, a diretoria busca seu substituto, porém, não define um critério para a contratação. Entre os nomes negociados, já foram revelados: Roger Machado, Alexandre Gallo e César Farías. Conceitos de jogo totalmente diferentes e que mostram que a diretoria está perdida na escolha de um novo técnico. Algo completamente normal no futebol brasileiro.
Foram 24 contratações de jogadores nesta temporada, sendo que 4 já saíram. Além disso, estamos indo para o quarto treinador (sem contar o comando interino). É fácil colocar a culpa na parte financeira, quando você administra mal o escasso dinheiro que você possui.
— MatheusMandy (@matheusmandy) November 4, 2020
Peculiaridades brasileiras
Como tratamos no início do texto, existem empecilhos para os treinadores no futebol brasileiro. Quando uma equipe vai atrás de um técnico estrangeiro no meio de uma temporada, como fez o Botafogo com César Farías, perde-se mais tempo ainda. Isso porque ele precisaria de tempo para conhecer o clube e se habituar ao futebol brasileiro. E como vimos, tempo não é um dos nossos privilégios. Até mesmo clubes que contrataram estrangeiros antes da pré-temporada, já trocaram de técnico. Santos e Atlético-MG começaram com Jesualdo Ferreira (português) e Rafael Dudamel (venezuelano) respectivamente. Agora, estão com Cuca (brasileiro) e Sampaoli (argentino e ex-Santos).
Na imagem abaixo, podemos ver que, nunca, um treinador estrangeiro tinha durado pelo menos um ano no Brasil. Quem conseguiu esse feito, foi Jorge Jesus. Entretanto, houve uma pausa sem jogos causada pela pandemia do novo coronavírus, que atrasou sua saída. Quando o futebol voltou, e a nova temporada europeia começou, ele foi para o Benfica de Portugal.
Motivos das mudanças de técnicos
No estudo, foi constatado os diversos motivos das demissões dos treinadores. Entre os principais, se destacam: rendimento esportivo numa janela de 4 jogos (curtíssimo prazo), expectativas (superestimadas/imediatismo) e desempenho em competições paralelas (mata-mata). Cada ponto perdido nesses 4 jogos, reduz-se a probabilidade do treinador seguir no comando, como mostra os números a seguir:
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Portanto, a partir desse estudo, percebemos erros que fogem do controle técnico. As mudanças de técnicos ocorrem, na maioria das vezes, por erros de terceiros. Seja da confederação, do clube ou até mesmo da pressão da torcida. De fato, existe um atraso por parte de nossos treinadores. Entretanto, eles não são os maiores culpados. Aliás, são vítimas de um sistema organizacional precário. Ou seja, trabalhos são julgados sem levar em consideração o contexto em que o profissional está inserido. Que estrutura é entregue ao profissional? O elenco oferecido se encaixa em sua filosofia? Por que não cobrar quem o contratou?
Enfim, precisamos evoluir em muitos aspectos. Nosso futebol perdeu grande parte de seu encanto. Em outra matéria, mostramos que ele está perdendo adeptos. Se continuar dessa forma, a tendência é piorar. Portanto, é importante avaliar outras questões na hora de julgar um treinador. Mudanças de técnicos são usadas como cortina de fumaça por dirigentes. Deve-se cobrar isso deles. Não é papel do torcedor ser analítico. Mas um dirigente não deve ser emotivo como um torcedor. Nem mesmo iludi-lo com cortina de fumaça.